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A Nuvem do Não-Saber e outros conselhos amorosos

Sábio são os monges que não se casam, esses evitam grandes dores de cabeça. Preciso confessar: estou um pouco desacreditado do amor. Terminei um relacionamento esse ano e ainda sinto dores no peito de mágoa e frustração. Curiosamente, tem sido a técnica meditativa de um falecido monge misterioso do século XIV que tem me ajudado a seguir. Vou te contar o que tenho aprendido com ele, mas antes precisamos voltar no tempo.

No século III, o Imperador Constantino se converteu e declarou o cristinianismo como religião oficial do Império Romano. Por isso, Santo Antão pegou sua trouxa e foi para o deserto, tornando-se o primeiro monge cristão. Fugiu da cidade, das tentações da igreja no poder, de tudo que poderia roubar sua atenção ao divino, iniciando assim a tradição monástica. Não tive uma criação católica, então tudo isso é novo para mim. Aprendi em um retiro no monastério beneditino em Vinhedo em outubro deste ano, quando gentilmente fui recebido por clérigos católicos e protestantes, para inesperadamente descobrir que os cristãos também têm uma tradição de meditação.

A meditação foi popularizada no Ocidente apenas a partir dos anos 60, depois que os Beatles descobriram e se encantaram com a meditação transcendental na Índia. Por isso, até hoje, a prática é quase que completamente atrelada ao Oriente, logo, quando pensamos em meditação, lembramos de Monja Coen e zen budismo. Poucos se lembram do legado dos pais do deserto e da meditação cristã.

No monastério, os monges me apresentam a A Nuvem do Não-Saber, livro escrito no século XIV por um monge anônimo. O livro discorre sobre a prática e as dinâmicas da mente com sutilezas e detalhamentos que apenas quem tem experiência na prática contemplativa poderia compartilhar. O misterioso autor ilustra o processo da meditação como duas nuvens: a nuvem do esquecimento abaixo e a nuvem do não-saber acima, no meio, o praticante. O processo da meditação seria ir deixando os pensamentos e percepções se dissolverem na nuvem do esquecimento enquanto o coração projeta o amor e afeto a Deus na nuvem do não-saber. Não saber, literalmente, seria um espaço de união com o místico, onde nem definições, pensamentos ou palavras cabem, apenas o entrelaçar de afetos do homem em perfeita união com um Deus que é amor.

Voltando ao meu coração partido, essa dinâmica tem me ajudado. Podemos praticar essa meditação mesmo não sendo católicos, basta ter mágoas ou afetos e a vontade de encontrar amor verdadeiro dentro de nós antes de buscar em outra pessoa. Com a confiança de que existe algo além do desconhecido, posso deixar que minhas memórias e pensamentos ansiosos sejam absorvidos pelo esquecimento. Gosto dessa ilustração das nuvens, afinal, o sol sempre permanece brilhando sobre nós, mesmo quando há tempo nublado ou tempestade. Transcrevo um trecho do livro tomando a liberdade de trocar as palavras Deus por Amor:


“...assim como tal nuvem (a do não-saber) está entre você e o Amor, deve colocar a nuvem do esquecimento entre você e tudo que passou. Talvez pense que está longe do Amor só porque há um não-saber entre vocês, mas com certeza estará ainda mais longe se além disso, tudo que passou, ainda estiver no seu caminho.”

É uma adaptação livre, mas a ideia está aí: se não deixarmos algumas coisas para trás nunca poderemos avançar para coisas novas. Achei muito bonita a ideia de que na nuvem do não-saber só penetra afeto; pensamentos e julgamentos da mente analítica, por mais úteis que sejam na vida prática, não servem no encontro com o Amor. Não saber é não ter controle, não poder prever o futuro. O amor requer isso, essa distração e otimismo. Vivo dizendo que sempre que possível devemos trocar a ansiedade pela curiosidade, afinal, a vida pode trazer coisas lindas e inesperadas em cada encontro. Talvez um dia eu me case. Talvez desista e vire monge. Só o tempo dirá, até lá, continuo meditando entre as nuvens.


*Texto original publicado na edição de setembro da revista Well.



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