
Tive um pouco de dificuldade para escrever esse texto. Saí procurando uma caneta pela casa já toda empacotada em São Paulo, mas acabei encontrando apenas uma Bic azul quase acabando e uma vermelha.
“Vou escrever com a azul, se acabar, continuo com a vermelha” – pensei e logo senti um aperto no peito. Achei engraçado. De onde surgiu essa culpa por usar caneta vermelha para escrever textos? Como se fosse um crime, criei essa ideia de que escrever em vermelho serve apenas para destaques, corrigir provas e desenhar corações de sangue.
Comecei com a azul, passei pela vermelha e agora completo o texto em um computador, sobre uma mesa cheia de caixas e embalagens de mudança na casa nova. Minha namorada está no quarto arrumando as roupas no armário, meu sogro acompanhando o trabalho do eletricista na sala e a Mel, minha fiel companheira, deitada no chão da cozinha ao meu lado. Estou de volta em minha cidade natal.
Não gosto da palavra “volta”, porque dá a impressão que algo não deu certo e tivemos que voltar com o rabo entre as pernas. Mas a verdade, é que na vida a gente nunca volta, sempre avança, mesmo quando reencontramos lugares familiares.
São Paulo me tratou muito bem, foram 10 anos vivendo e trabalhando lá. Amigos, exposições, festas, amores, trabalhos, dias, noites, glorias e lagrimas - vivi tantas coisas e espero ter amadurecido com tudo isso. É uma cidade intensa, um desafio para poucos e uma grande oportunidade. Costumo dizer que em São Paulo, em cada esquina você pode conhecer alguém que vai mudar sua vida completamente, eu mesmo vivi isso tantas vezes. Ainda não sei se sentirei falta, mas com certeza sei que sempre terei carinho.
Me dei permissão de mudar. De apartamento, de rua, de cidade e de vida. Não foi uma decisão fácil, senti o luto ao ver algumas coisas terminarem, depois, certa culpa por tomar rumos que não sabia bem que cabiam só a mim.
Usei a caneta azul da vida até o fim, a vermelha rabiscou quando achei necessário e agora me sinto livre para continuar escrevendo minha história com a cor que meu coração pedir.
Quantas vezes é permitido recomeçar?
Não sei, mas sei que eu o farei quantas vezes for necessário.
*Texto originalmente publicado na edição de janeiro da revista Well Magazine.