Meditações sobre a fraqueza e outros super poderes.

*Texto publicado na edição de novembro da revista Wellmag.
Dizem que são os menores livros que causam as maiores revoluções, concordo, já que foi como uma granada que o livro do filósofo canadense Jean Vanier explodiu em mim, desde as primeiras páginas. Comprei-o em 2019, em uma tarde fria de outubro na livraria do campus da Universidade de Toronto. Queria apenas comprar um boné da instituição para eternizar a conclusão do curso de neurociências da meditação, mas fui fisgado pelo título do livro em uma das prateleiras: Becoming Human: Tornando-se humano. Como podemos nos tornar mais humanos, já não somos? Com o boné na cabeça, livro debaixo do braço e o coração cheio de dúvidas, segui lendo pelo resto da minha viagem.
Vanier foi o fundador da L'Arche, federação internacional de comunidades espalhadas por mais de 30 países, dedicada a pessoas com deficiências de desenvolvimento. Apenas depois de ter lido o livro me dei conta de que tenho uma amiga que mora no Canadá justamente fazendo esse trabalho. Nas comunidades L'Arche pessoas com deficiência moram em casas junto com os cuidadores. Não é bem um trabalho social, mas uma comunidade de cuidado, que busca amar as diferenças. O livro bebe dessas experiências comunitárias para sustentar um argumento simples: para sermos plenamente humanos precisamos abraçar a totalidade de nossa humanidade, inclusive nossa fraqueza.
Preciso ser sincero, tenho muita dificuldade em assumir minha fraqueza. Desde muito cedo desenvolvi um senso de humor ácido, uma máscara de irreverência que esconde minhas emoções e vergonhas. Assumo que era vergonha mesmo, porque hoje está claro para mim que o que me afastava das pessoas era justamente a vergonha por ser tão fraco. A cultura não ajuda, celebramos a força e o sucesso em todas as suas formas, deixando pouco espaço para acolher o normal. E ser fraco é normal.

Eu sei que essa é uma forma um pouco mórbida de encerrar essa edição da revista. Mas o que aprendi com o livro e adoraria instigar dentro de você, é que o nosso maior valor está na capacidade de conexão afetiva. Existe uma força pacífica dentro de todos nós; uma vontade de toque, de carinho. Os deficientes mentais são muito mais claros com suas necessidades a esse respeito. Afinal de contas, muitos deles talvez nunca consigam sucesso financeiro ou qualquer outro sinal de escalada social. Mas podem amar, e dão aula disso. A intensidade e a transparência de seus afetos nos movem muito mais do que as exigências do poder, seja ele qual for.
Se tornar um ser humano significa acolher toda necessidade de afeto dentro de nós, e reconhecê-la como tal, sem terceirizar responsabilidades ou mascarar com conquistas materiais ou jogos sociais.
Somos todos crianças que precisam de um abraço, filhos e irmãos que precisam de toques e beijos; amantes que precisam ser amados; amigos magoados e artistas frustrados. Somos sonhadores iludidos; crentes magoados. Somos homens e mulheres quebrados e não precisamos ter vergonha disso.
Se foi na universidade que aprendi que a meditação tem poder de transformar nosso cérebro, foi com Jean Vanier e seu pequeno livro que aprendi que presença também tem a ver com afeto. Meditação não é estar longe, mas sim ser humano, sempre.
Becoming Human Editora : Paulist Press; -10th Anniversary ed. edição (1 setembro 2008) Idioma : Inglês 166 páginas